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Entrevista
com Gilberto Santeiro
Diretor da cinemateca
do MAM

As
pessoas que trabalham nas cinematecas parece que se dividem em dois tipos:
os que preservam e os que exibem. Os que dão preferência
à preservação, que é um trabalho subterrâneo,
porque é um trabalho que não aparece; e os que trabalham
com exibição, que é um trabalho, digamos, mais "gostável",
que envolve público...
Animação
de cinemas...
Animação
de cinemas, formação de platéia. Então, essa
é a parte mais visível, é a parte mais "gostável",
entre aspas, de uma cinemateca. A Cinemateca do MAM sempre foi famosa
pela exibição, desde a década de 60. Eu freqüento
a Cinemateca desde 1963, e eu me lembro, de 63 ao incêndio, em setenta
e...
78.
De
63 a 78, quando teve o incêndio, a Cinemateca sempre se caracterizou
pela exibição farta do seu acervo, que é um acervo
construído ao longo desses anos todos com cópias de diversas
origens. Nós temos acervos particulares, de produtoras, acervos
de distribuidoras que acabaram ou perderam o direito de exibição
dos filmes. Porque quando havia censura, o certificado de censura valia
por cinco anos, e essa era a validade comercial do filme. Depois disso
você podia renovar o certificado de censura, mas como você
pagava por isso, se eu não me engano pagava uma taxa pelo metro
linear, você é claro ia gastar esse dinheiro com um filme
novo, você não ia gastar com renovação a menos
que fosse um filme como ...E o Vento Levou, Casablanca,
esses filmes que têm sempre um certo mercado – ou pelo menos tinham
nessa época. Na década de 80, no final da década
de 80, o MAM começou a receber o acervo dos filmes que estavam...
Quer dizer, já havia um acervo original nacional. Porque também
tem isso: nós além de termos matrizes de filmes brasileiros,
nós temos também algumas matrizes de filmes estrangeiros
que vieram para o Brasil para serem comercializados. Alguns filmes, eu
me lembro que, sujeito à confirmação ainda, a gente
tem algum material da Tabajara. Ela distribuía os filmes russos,
os filmes soviéticos aqui no Brasil. Então parte desse acervo
está aqui, com a extinção da Tabajara. Mas [como
eu esta dizendo], no final da década de 80 o laboratório
Líder, na época, hoje em dia Labo Cine, reformulou os seus
depósitos e tirou, disponibilizou, os negativos dos filmes que
já estavam montados e as sobras dos negativos de alguns desses
filmes. Então parte dos produtores tiraram os filmes da Líder
e colocaram aqui, e parte a própria Líder, depois de um
prazo que ela deu aos produtores, também colocou os filmes aqui
na Cinemateca. E aí começou a se formar um acervo de filmes
brasileiros. Com a extinção da Embrafilme aconteceu a mesma
coisa, 80% das cópias da Embrafilme vieram para cá. Isso
no início dos anos 90, com a extinção da Embrafilme
no governo Collor. Basicamente, o material que a gente tem aqui é
o material do Rio de Janeiro, assim como o material que São Paulo
tem é o material paulista. O resto a gente mais ou menos divide.
As produtoras paulistas guardam os filmes na Cinemateca Brasileira de
São Paulo e as produtoras do Rio basicamente na Cinemateca do MAM.
Criou-se
uma situação de fato que hoje em dia você não
pode menosprezar. Porque o filme, desde que é revelado, ele entra
num processo de degeneração. Uma coisa inevitável,
porque tem gasolina, um tipo de material que evapora, que se degrada simplesmente
por existir, não tem como você evitar isso. Agora, para que
isso não aconteça com danos, você teria que fazer
periodicamente um outro negativo, o internegativo e o interpositivo. O
interpositivo é também chamado de master e o internegativo
é também chamado de contratipo, que é um outro negativo
que você faz a partir do negativo original do filme. Existe o negativo
original do som e o negativo original da imagem, que juntos compõem
a cópia final de um filme. O som é separado da imagem, ele
não é junto. Então isso também traz problemas:
como ele é separado, a degenerescência não é
evidentemente igual à da imagem, apesar de eles serem supostamente
a mesma coisa. Eles são copiados juntos, mas eles não se
degeneram juntos, uma vez que eles estão separados no negativo.
É esse trabalho de duplicação que deveria ser feito
preventivamente pelas cinematecas, e é esse trabalho de preservação,
não mais preventivamente porque agora o tempo não é
mais de prevenção, que a gente pretende fazer agora na Cinemateca,
um trabalho de duplicar esse material. Nos dias atuais, um material desse
custa por volta de quinze mil dólares, para você duplicar
a imagem e o som de um filme. Quinze mil dólares ou trinta mil
reais, mais ou menos, isso é uma estimativa porque cada caso é
um caso. Esse é um custo médio de um trabalho desse, que
é você fazer o interpositivo, que é o master, e desse
interpositivo tirar um negativo. Porque de um negativo você não
consegue tirar um outro negativo, você tem que passar por um positivo
e desse positivo você faz um outro contratipo, um outro negativo.
Esse material é muito caro porque é um material de grão
fino, justamente para poder tirar uma cópia boa, para tirar um
negativo bom desse material. Esse master também é usado
hoje em dia para fazer cópias em vídeo. Antigamente a cópia
dos vídeos brasileiros era tirada de uma cópia em 16 milímetros
que nunca era muito boa, inclusive o som ficava muito prejudicado. Mas
hoje está se tirando cópias do negativo, tanto do som quanto
de imagem, ou do master, de som e de imagem também. Mas parece
que o primeiro filme a fazer isso foi O Quatrilho, uma produção
recente.
Mas
o ideal não é você ter o negativo original guardado,
não sendo utilizado para fazer cópias, para ser preservado,
e você fazer as novas cópias a partir do positivo?
Do
positivo você não pode tirar cópia. Pelos padrões
normais de segurança, um filme deveria tirar do negativo original
no máximo de oito a dez cópias. Fora isso, é arriscado
você tirar cópia do negativo original. Porque o negativo
original tem as emendas, cada plano tem uma emenda, e às vezes
o plano é um plano pequeno, tem uma emenda aqui e outra logo ali.
Essas emendas, quando passam nas engrenagens da copiadora, é que
geram problemas, podem se desfazer, enfim. E isso, num processo de copiagem
pode danificar o negativo, pode arranhar o negativo. Mas se você
for ver os filmes brasileiros...
Dificilmente
o filme ultrapassa o número de oito cópias.
É
isso. Mas é claro que têm alguns que ultrapassam e muito
essa quantia. A gente tem uma história que eu posso contar aqui,
porque é uma história que já se sabe, não
tem novidade nenhuma, que é a história do Pixote.
Parece que o Pixote, quando foi feito, não se previa o sucesso
que o filme ia ter, e eu só sei que se tirou mais cópias
do que se podia do negativo. Isso deixou o negativo do Pixote em
frangalhos. Mas o filme já foi restaurado, foram tiradas as cópias
de preservação.
É
o mesmo caso de O Ébrio, da Cinédia: porque o filme
ficou muito tempo em cartaz, então eles acabaram fazendo cópias
e mais cópias em cima do negativo. E o filme só conseguiu
ser restaurado agora há pouco tempo.
Eu
conversando com as pessoas sobre isso e elas me diziam que não
se tirava cópia [do negativo] também porque era muito ruim.
Eu me lembro também, como eu sou montador desde sessenta e... o
primeiro que eu montei foi de 69, então eu acompanho essa questão,
que realmente era uma coisa que ninguém queria muito ver. Mas também
isso é uma coisa que hoje em dia... Outro dia eu fui ver aquele
filme A Praia, eu achei a cópia, a imagem, muito ruim, entendeu?
Porque era o master da Líder, a cópia da Líder, coisa
que antigamente não tinha muito. A obrigatoriedade de copiar no
Brasil é uma coisa mais ou menos recente, é da década
de 80. Antigamente as cópias não eram necessariamente feitas
no Brasil, então a qualidade das cópias era um pouco melhor
dos que as de hoje em dia. Eu não estou falando mal da Líder,
mas enfim... Mais ou menos que equiparou [a cópia do filme brasileiro
e do estrangeiro]. Eu me lembro também que nessa época,
eu como montador, eu nem queria ver um filme que eu tinha montado, com
uma cópia ruim. Do Isto É Pelé, que é
um filme que eu montei, foram tiradas, sei lá, cento e vinte cópias,
uma coisa assim. E é claro que foram tirados os contratipos e os
masters respectivos, não se tirou do negativo original. Mas eu
me lembro que eu nem queria ver, eu queria ver a cópia um, a cópia
dois, a três, a cópia do negativo original. A cópia
tirada do master, do contratipo, eu me lembro que a gente não queria
nem ver, entendeu? Porque era ruim mesmo. Mas essas cópias, hoje
em dia, são as que a gente vê. Eu me lembro de ter visto
filmes em cópias originais, ou quase, e ver os filmes hoje em dia,
a diferença é muito grande em termos de fotografia. Eu até
vi aqui outro dia aquele À Propos de Nice, que eu tinha
visto uma cópia não foi nem aqui no Brasil, foi na Argentina,
com a fotografia do Boris Kauffman, famoso fotógrafo de origem
russa, e era uma fotografia maravilhosa. Os próprios filmes do
Tissé, fotógrafo do Eisenstein: eu não sei como seria
a cópia original do Outubro ou do Potemkim, apesar
de eu ter visto cópias tanto de um quanto de outro na década
de 60. Em 64, Potemkim passava no falecido Cine Ópera por
ocasião do golpe. Eram filmes que tiveram exibição
nessa época. Hoje em dia você vê o filme e não
sabe o que seria o negativo. Você vê isso em todos os filmes,
praticamente: os filmes alemães, os filmes do Murnau, a gente intui
que a fotografia é muito bonita, mas hoje em dia você não
consegue muito bem ver isso, uma fotografia nas cópias do jeito
que elas estão.
[pausa
na entrevista]
O
problema da Cinemateca é exibir. Porque se você só
restaura os filmes, fica um trabalho um pouco esquizofrênico, você
não exibe os filmes que você restaurou. E é bom até
para você avaliar, avaliar o estado da cópia e a própria
história do filme, promovendo um reencontro com um filme. E a Cinemateca
tem muitos filmes que não são exibidos, filmes que são
desconhecidos, filmes que as gerações posteriores não
assistiram. E também tem essa coisa de tela grande, apesar de eu,
pessoalmente, assistir muita cópia em vídeo. Porque eu não
só trabalho com cinema como eu sou um espectador razoável
de cinema, eu assisto uns quarenta filmes por mês, então
eu me mantenho mais ou menos a par. Apesar de terem feito cinema, muitas
pessoas não freqüentam cinema, não vêem filmes.
Eu gosto de vê-los e os assisto com uma freqüência razoável.
Agora, a Cinemateca está querendo fazer isso, está voltando
a sua programação com mostras, até o final do ano
nós ainda vamos ter mais ou menos umas oito mostras: Faces do Brasil;
o Buñuel da fase mexicana, com seis filmes da década de
50; O René Clair parlant, que é uma mostra dos filmes
da fase sonora dele...
A
Belair...
Vai
ter a Belair, com os filmes do Julio [Bressane] e do Rogério [Sganzerla]
– eu até cheguei a trabalhar uma época na Belair, eu fui
um dos integrados da Belair. Depois vai ter o Buñuel francês,
com os últimos filmes do cineasta; e, fechando o ano, uma mostra
que ainda estamos estudando sobre Freud e a psicanálise, porque
tanto o cinema quanto a psicanálise tem cento e poucos anos, eles
nasceram juntos, e vai ter uma exposição aqui no MAM sobre
o Freud, com alguns objetos dele, particulares, e obras que ele colecionava,
obras de arte, porque ele também era um colecionador de arte parece
que bem atento. É isso, deve encerrar o ano com essa mostra do
Freud.
E
como é que está a busca da Cinemateca por parceiros na restauração
de filmes? Qual é a política de restauração
que você estão querendo privilegiar? Porque tem filmes que
estão à beira da desaparição, como A Sombra
da Outra, do Watson Macedo...
Sangue
na Madrugada também. Essa é uma questão muito
delicada, porque na verdade é uma escolha de Sofia, eu não
sei ainda muito bem como vai ser... Nós seguiremos critérios
técnicos e não critérios artísticos, porque
nesse caso esse tipo de questão artística não conta
muito, o rendimento artístico do filme mostra pouco.
E
varia com o tempo.
É,
e varia com o tempo. É claro que os casos mais citados são
os das chanchadas. Mas podemos falar também das pornochanchadas,
que começam a ter uma valorização. Está sendo
objeto de estudos. Nós alugamos cópias para o curso de cinema
da USP, para a Eca, de pornochanchadas. Quer dizer, existe uma reavaliação.
E o cinema é muito passível a esse tipo de reavaliação,
existem vários filmes que na sua época não tiveram
muito sucesso, não repercutiram tanto assim, e que no entanto hoje
em dia têm uma grande procura. E vice-versa também, filmes
que eram famosíssimos, que ganharam Oscar, e que hoje em dia você
não sabe muito que filmes são esses, você não
conhece bem o contexto em que eles foram premiados, você acha aquela
até uma premiação injusta, mas por conta disso também,
você não consegue restabelecer o contexto do filme. Então
essa questão de restauração passa um pouco por aí.
A Cinemateca pretende restaurar até o final do ano... Quando eu
digo restaurar quero dizer duplicar, porque tem um diferencial nesse processo:
tem a duplicação mecânica, que é feita quando
o filme aceita ainda ser passado mecanicamente...
Da
película velha para uma nova.
Para
uma nova. Agora, há películas que não permitam mais
esse tipo de transporte de imagem puro e simples.
Porque
ela encolhe, deforma...
Pelo
tipo de danificação que um negativo sofre. E aí o
processo é um processo quadro-a-quadro mesmo, é um processo
lento. Se um filme tem 24 quadros por segundo, imaginem passar um longa-metragem
que tem mais ou menos noventa minutos, um loga-metragem padrão,
mas hoje em dia eles estão passando de uma hora e quarenta, uma
hora e cinqüenta, filmes de ação como o Missão
Impossível 2, que tem quase duas horas, o Pânico 3
também... Até os filmes de ação hoje em dia
são maiores do que eram antigamente, na década de 50 e 60.
E nesse processo, aí o preço pode custar uns 150 mil dólares,
300 mil reais. Há casos como o do Lawrence da Arábia,
que custou 350 mil dólares para ser restaurado. Outro dia até
me falaram de um filme que foi mais caro, não é o My
Fair Lady... um dos filmes que restauraram recentemente...
Foi
o do Hitchcock, então, Janela Indiscreta.
É
justamente, foi do Hitchcock mas não o Janela Indiscreta.
Foi
o Vertigo então, Um Corpo que Cai.
É,
foi o Vertigo.
Porque
o Janela Indiscreta foi restaurado agora, pelos mesmos mesmos dois
restauradores que já tinham trabalhado no Vertigo.1
Eu
acho até engraçado porque Um Corpo que Cai é
um filme até modesto, do ponto de vista de feitura. Não
é ...E o Vento Levou, não é Lawrence da
Arábia, nem My Fair Lady. É um filme dentro dos
padrões tradicionais de produção, e no entanto parece
que a restauração custou 550 mil dólares.
Porque
eles levaram dois anos restaurando o filme, pesquisaram várias
cópias do filme, fizeram um estudo de cor no computador... com
a parte de som também, daí esse custo.
A
parte sonora, hoje em dia, para você restaurar tem que passar pelo
computador. E está se tentando fazer também, mas eu não
sei muito bem o resultado disso, é uma coisa nova, que é
fazer uma coisa digital, de computação, mesmo do ponto de
vista de imagem. Porque o de som é simples, você coloca no
computador, faz as equalizações que tem que ser feitas...
Elimina
o sinal do ruído.
Elimina
também o sinal do ótico, porque ele tem uma baixa freqüência
característica, você sabe quando sai de um ótico só
de você ouvir, você sabe se a origem daquilo ali foi um ótico.
Então você passa isso para o computador e tenta minimizar
esse problema, e acrescenta coisas, se for o caso, uma faixa de ruído,
alguma coisa assim... O Lawrence da Arábia, por exemplo,
teve cenas que foram dubladas de novo, acrescentou-se algumas cenas, aproveitando
que o Peter O’Toole e o Alec Guiness, os atores, estão vivos, então
fizeram um trabalho com eles. Apesar de a voz ter mudado, mas aí
dá para você eqüalizar. Agora, com a imagem também
estão querendo fazer isso para fazer a kinescopagem final, você
faz um trabalho desse e depois você kinescopa de novo, e o filme
volta a ser película. Porque a kinescopagem é você
transformar um vídeo, um magnético, em película de
novo, em filme outra vez. Parece que estão querendo fazer isso
também, mas eu não sei bem se existe algum filme feito dessa
maneira. No Brasil ensaiou-se fazer também, mas desistiram por
causa dos custos muito grandes.
Como
é que o Brasil está de know how de restauração?
Pois
é, eu acho que está mal. Quer dizer, existe um laboratório
em São Paulo que faz um trabalho que vai desde a janela molhada,
que é um trabalho quadro-a-quadro: a janela molhada – liquid
gate que se chama em inglês – ela é para tirar as sujeiras
e os arranhões que estão na emulsão. Você usa
esse processo e minimiza muito essas impurezas, esses arranhões.
Agora, como é um processo de quadro-a-quadro é um processo
muito trabalhoso. Essa história que você me falou do Hitchcock,
de dois anos, é só para você ver. Nos Estados Unidos,
com recursos, eu acredito que para o cara fazer uma empreitada dessas
chegou a um acordo com a Universal – eu não sei bem porque o Vertigo,
mas se bem que é um dos filmes mais famosos do Hitchcock – e fizeram
esse trabalho. É um trabalho muito dispendioso e eu não
sei como é que no Brasil se poderia fazer isso, entendeu? A Líder,
a Labo Cine, que eu sempre chamo de Líder, está criando
um departamento para isso agora, e vamos ver o que acontece para ver como
é que fica. Mas o Brasil está na década de 60 em
relação a isso. O material que a gente tem é um material
feito heroicamente de sucata, é um material remontado... eu estou
falando no bom sentido, é um trabalho...
Não
é no sentido pejorativo mas tem o seu grau de amadorismo?
Não
é bem isso, amadorismo no sentido...
É
uma abnegação.
É,
uma abnegação pelo que você está fazendo. Na
verdade, esse laboratório de São Paulo é o mesmo
laboratório que eu vi no final da década de 70, eu fui à
Cinemateca Brasileira e lá eles fizeram um laboratório com
sucata. E era um laboratório muito interessante. Nessa época
eu assisti a alguns filmes, como Exemplo Regenerador, o São
Paulo, Sinfonia de uma Metrópole, que eles restauraram, o Sol
sobre a Lama, do Alex Viany, e eu achei o trabalho muito bom. Agora
eles remontaram esse laboratório que tinha sido desmontado, e agora
eles estão querendo retomar esse trabalho. Nós pretendemos
fazer esse trabalho com eles, com a Cinemateca Brasileira. Nessa primeira
etapa seriam quinze filmes nossos e quinze filmes deles. A gente está
fazendo esse trabalho juntos para evitar a duplicação de
trabalho, como acontecia anteriormente, quando as duas cinematecas faziam
um trabalho meio que separado. A gente quer fazer o trabalho juntos justamente
para unir os esforços. A busca de patrocinador, é o que
está acontecendo agora...
Ainda
está dependendo de patrocinador esse projeto?
Sim,
está dependendo de patrocinador e a gente tem que sensibilizar
esses patrocinadores, porque existe uma certo investimento nas produções
novas mas as produções antigas estão esquecidas,
e é isso que precisa ser relembrado.
E
esse projeto com a Cinemateca Brasileira envolve patrocínio direto
ou a idéia é investir por alguma lei de incentivo cultural?
Seria
ou dotação governamental ou entrando na Lei do Audiovisual,
ou mesmo na Lei Rouanet. A gente pensa em criar um selo da Cinemateca
para esse material restaurado. Seria uma coisa ideal porque veicularia
o filme. Existe também a TV a cabo, que realmente criou uma demanda.
Existe um interesse muito grande por filmes, tem muita grade para preencher
com material brasileiro agora nas televisões a cabo, e basicamente
no Canal Brasil, que só tem filmes brasileiros. Eu vim agora desse
Congresso de Cinema em Porto Alegre e você via que a grande questão
lá em relação à televisão era justamente
essa, do acesso ao filme brasileiro na televisão a cabo, coisa
que não existe, com a honrosa exceção do Canal Brasil.
Mas você criar também um selo de vídeo para os filmes
restaurados pela Cinemateca era uma idéia interessante e faria
essa divulgação. Porque a questão é delicada
também até em relação à quota de tela,
porque eu não sei como é que seria, qual seria a reação
dos produtores em ter os fantasmas desses filmes do passado disputando
também a quota de tela que já é tão pequena
para o cinema brasileiro. Sobre essas coisas a gente teria ainda que fazer
um estudo, para saber qual seria a reação do mercado a esses
filmes brasileiros. Isso pode parecer bobagem, mas, hoje em dia, em relação
ao filme em preto-e-banco existe uma rejeição ao filme.
A gente sabe disso porque a colorização do filme, que é
um processo caríssimo, começou justamente se fazendo um
estudo dos filmes do Gordo e do Magro, que passavam na televisão
americana em preto-e-branco, e a televisão já era colorida,
e as pessoas rejeitavam esse material. Até que a Turner, que era
detentora dos direitos desse filmes, por ter comprado os estúdios
nos quais eles foram produzidos, resolveu fazer uma colorização
dos filmes do Gordo e do Magro e a receptividade foi muito grande. Então
esse tipo de questão a gente também teria que ver. Eu não
digo em colorizar os filmes, absolutamente, porque não só
é um processo esteticamente discutível como é caríssimo.
Na
televisão você ainda pode tirar a cor se quiser, mas no cinema
isso fica meio complicado.
Até
porque a cinemateca tem que preservar é o modelo original.
É,
o modelo original. Esse é também um dos critérios
da Cinemateca, que é você ter no seu acervo, na medida do
possível, filmes na sua versão original. Quer dizer, filmes
com tela panorâmica, cinemascope, copiados em tela quadrada, ou
filmes coloridos em cópias em preto-e-branco, como antigamente
se fazia muito na televisão. A gente tem, por exemplo, uma cópia
de O Leopardo do Visconti, que é um filme em cinemascope,
colorido, e a gente tem uma cópia em 16 milímetros, tela
quadrada e preto-e-branco. Nesse tipo de deformação a gente
tem que ficar atento. A gente também tem que saber em que formato
esses filmes foram feitos, porque tem que ter esse conhecimento. O Marcos
Magalhães até contou uma história outro dia, lá
no Anima Mundi, que ele assistiu nos Estados Unidos: uma colecionadora
de desenhos animados, a mulher tem uma coleção fantástica,
uma coleção particular, ela é professora lá
na UCLA, e ela passou um filme francês chamado Joie de Vivre,
um desenho animado. E ele disse que viu o filme no Brasil, colorido, ele
viu aqui na Cinemateca, a gente tem uma cópia desse filme aqui.
E a mulher dizendo que o filme era em preto-e-branco, quer dizer, ela
não sabia que era colorido, apesar de ser uma expert no
assunto. Então tem um pouco desse negócio, de você
saber de que maneira o filme foi feito. Essas cópias da Cinemateca
às vezes são cópias de televisão, porque teve
muitos filmes dublados e essas cópias de trabalho, de dublagem,
foram remendadas e estão aqui na Cinemateca. Às vezes até
dublados, como aquele filme d’A Mulher Vespa, do Roger Corman,
eu não sei se você se lembra do filme, que é ótimo,
e a gente tem uma cópia dublada do filme. Mas uma Cinemateca tem
que estar atenta ao formato original do material.
A
Cinemateca, a gente sabe, acabou de atravessar uma crise bem grave, talvez
a pior desde que ela foi fundada. E pelo que se pode ler nos jornais,
essa crise foi colocada como financeira. Não seria melhor colocar
essa crise sim como financeira, mas porque as pessoas não querem
dar verbas à Cinemateca, já que elas acham a Cinemateca
desimportante? Não seria melhor colocar as coisas nesse termos
e como é que você acha que a Cinemateca pode voltar a ter
força e ser um centro de agregação e debate cultural,
como ela foi em outros tempos?
Aí
eu acho que volta de novo a história da divulgação,
da exibição dos filmes. Porque, realmente é como
eu já falei, o trabalho de restauração é um
trabalho muito subterrâneo, muito...
De
pouca visibilidade.
É,
de pouca visibilidade. Se ele não for muito difundido, ele tem
pouca visibilidade e tende a acabar, porque ele não consegue se
tornar conhecido. E a Cinemateca faz essa divulgação justamente
para poder... E tem uma coisa curiosa: todo mundo achava que a Cinemateca
tinha acabado porque parou de exibir, o que não é verdade.
Porque uma cinemateca não tem só esse trabalho de armazenamento
de material, como também existe uma biblioteca que é a maior
do Brasil no gênero e que tem, sei lá, umas 40 a 50 consultas
por mês. É difícil você fazer algum trabalho
sobre cinema, em qualquer nível, sem passar pela Cinemateca. Então
existe também esse trabalho. Agora, sobre o problema financeiro:
o trabalho de restauração é um trabalho muito caro,
como eu já falei, a atividade cinematográfica é uma
atividade dispendiosa, sempre foi dispendiosa e eu acredito que sempre
será. Porque você pode fazer um filme barato, mas o problema
do cinema não é só você fazer o filme, é
também você exibir o filme. A gente teve agora o caso de
A Bruxa de Blair, um filme que custou 45 mil dólares, você
vê o filme e quem conhece cinema... Eu vi o filme e acho que ele
realmente custou 45 mil dólares. Não é que nem o
El Mariachi do Robert Rodiguez que custou 5 mil dólares:
isso aí não existe, isso é impossível. Agora,
A Bruxa de Blair custar 45 mil dólares é perfeitamente
viável. O problema é você exibir o filme. Vencida
essa barreira, foi gasto um milhão e meio no lançamento
e o filme rendeu 128 milhões de dólares só nos Estados
Unidos. Quer dizer, é o maios custo/benefício da história
do cinema. Agora, isso aconteceu ano passado, o cinema tem essas surpresas,
e quem trabalha nisso mais ou menos que vive em função,
na espera, desses acontecimentos surpreendentes, como A Bruxa de Blair
ou o sucesso de uma mostra que a gente faça aqui, que às
vezes surpreende. Claro que numa escala totalmente diferente, mas que
de qualquer maneira, às vezes é surpreendente a resposta
que a gente tem para alguns filmes que a gente exibe aqui, para alguma
mostra que a gente faça.
E
como é que a Prefeitura e o governo do Estado estão se colocando
diante da Cinemateca? Eles estão apoiando de alguma forma, eles
têm alguma relação com a Cinemateca?
Não.
A prefeitura dá uma dotação para o Museu, que é
repassada em parte para os funcionários da Cinemateca.
Não
existe uma política específica?
Nós
estamos necessitados de uma política do governo em relação
à preservação de filmes, estamos contando com isso,
e para esse projeto com a Cinemateca Brasileira a gente conta com o interesse
da Secretaria do Audiovisual – que foi manifestada no 3o Congresso
de Porto Alegre. Agora, de concreto ainda não temos nada.
Então
a fórmula para a Cinemateca voltar a ser um forte vetor na política
cinematográfica e cultural, tanto a do Rio quanto em São
Paulo, é ter uma mistura de incrementos do governo e de grupos
privados?
E
acho que isso se torna mais fácil na mediada que você faça
uma maior divulgação
Dê
maior visibilidade à cinemateca.
É
isso que nós pretendemos fazer.
E
como é que a imprensa tem se mostrado em relação
à Cinemateca e à volta das exibições?
Eu
acho que a imprensa, a televisão também, está fazendo
uma divulgação disso, a internet também. Nessa nova
fase da programação, que começou em fevereiro com
a mostra do Joaquim Pedro, nós estamos fazendo uma pesquisa para
saber a origem de como as pessoas tomavam conhecimento dessa programação,
e a internet está sendo muito boa para divulgar isso. Várias
pessoas fazem inclusive questão de deixar os seus endereços
eletrônicos nas nossas pesquisas, justamente para receber essas
informações via internet. Eu acho que a visibilidade da
Cinemateca poderá se tornar outra vez bem significativa, eu já
estou sentindo isso. As pessoas falam muito comigo também. Ontem
eu encontrei o Paulinho, no metrô, o Paulinho da Filme B, e ele
falou: "Você está todo na televisão agora!".
Ë verdade, por causa dos 45 anos da Cinemateca. Que também
é uma data bem razoável, 45 anos, no Brasil, nesse nível
de cinemateca é uma data a ser comemorada, realmente.
O
problema é que no Brasil a Cinemateca é uma instituição
de 45 anos que todo ano tem que começar a trabalhar como se fosse
o seu primeiro.
É,
sem dúvida nenhuma. Mas é bom também, você
trabalhar como se fosse o seu primeiro ano.
Entrevista realizada
no dia 21 de julho de 2000 por Juliano Tosi e Ruy Gardnier
|
1 Jim Katz, produtor de uma das sucursais menores da Warner, e Bob Harris,
responsável pelo arquivo da Universal. Este último, além
dos filmes de Hitchcock, também foi o responsável pela restauração
de Lawrence da Arábia.
2 Katz e Harris colocaram o problema em entrevista ao jornal Libération
(18 de maio de 2000). Harris: "Não é tanto o uso do computador que se deve
discutir, mas a boa maneira de usá-lo". Katz: "As pessoas dizem as maiores
bobagens sobre esse assunto. Falam que não há perda geral no processo. Besteira!
Você não perde nada entre digital e digital. Mas entre filme e digital,
depois de volta ao filme, há uma perda. Cada vez que nós podemos encontrar
uma solução química para o problema, nós o fazemos". Harris: "Em Janela
Indiscreta, só há dois planos restaurados digitalmente, na famosa cena
do beijo. 798 fotogramas, custo de 75 mil dólares. Essa seqüência já era
um efeito especial em 1954, porque a lentidão não tinha sido conseguida
pela câmera, mas na pós-produção. E fazendo a duplicata ótica, se acumularam
muitas sujeiras. Neste caso, o uso do computados se justificava".
3 Após a entrevista, com o gravador desligado, Gilberto acrescentou que
esse projeto de um selo de vídeo seria em conjunto não apenas com a Cinemateca
Brasileira, como possivelmente com os demais arquivos de filmes do resto
do país. |