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Filmes
a descobrir, filmes a recuperar

A Badaladíssima
dos Trópicos Contra
os Picaretas do Sexo, de Carlos Reichenbach
Brasil, 1971
A Badaladíssima dos Trópicos
é o episódio que Reichenbach fez para o filme Audácia,
antes de realizar qualquer longa-metragem. Sabe-se por diversas fontes
que seu autor não considera bons seus filmes feitos antes de Corrida
em Busca do Amor, por considerá-los apenas como reflexo do
que se vivia na época, apenas um registro do que as pessoas estavam
experimentando: a vida era mais importante do que o cinema. Tarefa inglória,
pois, defender uma obra que o próprio autor desgosta.
Mas a defesa não é sem motivo.
Apesar de todos os problemas que se podem listar a propósito de
A Badaladíssima pouco cuidado com o acabamento, imaturidade
narrativa, filmar "por filmar" , existe nesse filme uma
beleza poucas vezes encontrada nos filmes que atendem pelo rótulo
de udigrudi. Esse filme curto tem muito de uma 'arte poética',
em todo caso de uma espécie de obra de formação,
em que o que se discute são os novos caminhos estéticos
que uma nova geração precisa inventar para se expressar.
O filme já começa com uma discussão
sobre o fazer cinematográfico: José Mojica Marins está
dando um depoimento acerca do cinema. Logo depois, um off de Rogério
Sganzerla explicita e evolui o conteúdo da obra de Mojica: um cinema
do recalque, das contradições tipicamente brasileiras que
Mojica envolve em sua cinematografia fazem dele o único cineasta
que desenvolve uma obra autenticamente nacional. É difícil
não ver nessa definição um dos ideários do
cinema marginal, mas igualmente nela toda a ânsia de uma geração
para constituir uma cinematografia que dê conta do imaginário
nacional e do confrontamento entre o artista vindo da classe média,
cultivado e inteligente, e o povo brasileiro, aculturado e conservador.
Mojica seria o intermediário perfeito: não tendo vindo de
classe média nem sendo cultivado, fazia pois um cinema que falava
diretamente às classes menos privilegiadas. Não rima demais
com o repertório temático de Reichenbach desde seu Lilian
M até Extremos do Prazer, outra pérola a ser
reencontrada?
A Badaladíssima dos Trópicos
é um filme em que o conjunto conta muito menos do que os detalhes
(aliás, isso poderia servir para muitos dos filmes da época).
Num deles, alguém chama "Rogério" e o cineasta
Sganzerla, que na época contava não mais que 25 anos, aparece
num relance. A Badaladíssima faz parte de um momento ultra-romântico
do cinema brasileiro, de uma idealização tal do papel do
cineasta como criador e como homem social, efetuador de pressões
na vida social brasileira, e esse pequeno filme mostra menos uma certeza
acerca do futuro do que uma procura pelos caminhos certos a seguir. Mojica,
Sganzerla... mas também Fuller, que é muito comentado no
filme: é realmente uma espécie de Hipérion,
de A Chinesa, de Os Anos de Formação de Wilhelm
Meister, em que a própria obra trata da busca da vocação
para a obra. Como toda obra de formação, amedrontada constantemente
pela dúvida, esse filme de Reichenbach encanta.
A história? A tal badaladíssima
é uma nova diretora de cinema que deseja realizar seu filme de
forma totalmente idealística. Ela tem um assistente totalmente
absurdado e chato, puxando-lhe o saco até não mais poder.
O filme mostra esses dois jovens e mais alguns filmando, divertindo-se,
bebendo cerveja, discutindo cinema e pensando no futuro e nas limitações
financeiras. Numa pequena varanda, eles pensam sobre a vida. Até
que, de forma estúpida e abrupta, o puxa-saco empurra a diretora
do prédio e ela morre. A última cena nos mostra o texto
que o jornal publica. Mais uma vez, uma espécie de insight visionário:
a saída marginal era autofágica, destruía o chão
que ela própria pisava, mas era a melhor saída para o momento
de indefinição social e repressão política.
A Badaladíssima dos Trópicos leva a crer que o caminho
já se encontrava, de partida, como um túnel sem saída,
mas que era entretanto o caminho a seguir. Um mundo para curtir muitos
baratos mas rodeado por uma cortina de fumaça de desesperança
com o futuro. E quando o artista se vê sem futuro, a única
possibilidade de fazer arte é mostrar que não há
futuro e, assim, tentar criar discussão e agregar mais gente para
então construir um. Eles conseguiram e A Badaladíssima
dos Trópicos é um dos germes disso.
Ruy Gardnier.
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