Claude
Chabrol e as marionetes do zôo
a propósito de uma mostra
de seis filmes no MAM-Rio
As
Simplórias de Claude Chabrol
O
Rigor de Lang com a leveza de Renoir Claude Chabrol sempre
deixou claro seu ideal estético. É possível vê-lo
em todos os seus filmes, mesmo nos mais fracos. Trata-se de conjugar toda
a filosofia de mise-en-scène de Fritz Lang, o jogo do plano-seqüência
para enquadrar e reenquadrar ao infinito os personagens à medida
em que as situações vão mudando, com o desprendimento
da atuação dos atores de Jean Renoir, um tipo de interpretação
que privilegia a análise do comportamento social e fundamental
para um cineasta que busca a crônica de costumes. De Lang Chabrol
herda a força formal rigorosa de seus filmes. De Renoir ele recebe
o poder artístico de figurar em Isabelle Huppert, Stéphane
Audran, Jean Poiret, Jean-Claude Brialy, Bernadette Lafont ícones
da alta roda da sociedade burguesa, personagens em descaminho, etc., mas
sempre segundo os moldes de um maquinário psicopatológico
que já o fez ser comparado diversas vezes a Honoré de Balzac.
E
não é sem razão. Em La Cérémonie/Mulheres
Diabólicas ou Betty, seus dois melhores filmes na década
de 90, Claude Chabrol é capaz de captar dois tipos de imaginários
e observá-los em plena latência até que eles explodam
e nada mais seja possível fazer. O mesmo se vê em uma de
suas crônicas mais pungentes sobre a patologia do homem comum, Os
Fantasmas do Chapeleiro. O filme conta a história de um senhor
que não agüenta mais a sua mulher e resolve matá-la.
Ninguém dá por falta da megera, uma vez que ela não
saía de casa e só recebia visitas na data de seu aniversário.
É quando o ex-esposo resolve matar uma por uma as amigas da ex-mulher.
Findo o trabalho, ele torna-se viciado em matar e não consegue
parar... Talvez só de contar um por um as histórias de seus
filmes já deixa clara a proposta de Chabrol...
Ode/Ódio ao Burguês
Chabrol tem sempre uma predileção: é por fazer
da classe burguesa seu item de laboratório, mostrar como os ratinhos
burgueses ficam em labirintos procurando por pedacinhos de queijo, casa
e roupa lavada. Mostra tudo isso com um misto de amor e muito sarcasmo.
Uma certa lógica de cientista social dos mitos da sociedade de
consumo: uma lógica do zoológico. A metáfora não
é à toa: trata-se do argumento de Les Bonnes Femmes/As
Simplórias: quatro mulheres vão ao zôo e elas
é que se vêem em suas próprias jaulas. Há uma
espécie de identificação de Chabrol com o titeriteiro,
a profissão do sujeitinho que John Cusack interpreta no filme Being
John Malkovich. Ele faz os personagens como se faz uma marionete,
presa não dos fios que a prendem ao seu dono, mas aos códigos
sociais vigentes que a sociedade respeita e glorifica.
Para voltar aos modelos de
Balzac: O Açougueiro talvez seja um dos filmes que mais
claramente mostram esse aspecto. Privilegiando um registro cotidiano dos
fatos, Chabrol vai aos poucos fazendo interagir uma professora de colégio
e um açougueiro. Ele a quer; ela não. Com fina psicologia
e graça surpreendente, o espectador persegue a tela à procura
do resultado final que ele já sabe mas deseja ardorosamente dizer
que não.
Ruy Gardnier
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