É Tudo Verdade
5º Festival Internacional de Documentários — 2000





Pablo Picasso e Joris Ivens durante as
filmagens de O Sena Encontra Paris

Depois de um excelente festival em 1999, com retrospectiva dedicada ao holandês Johan van der Keuken, o É Tudo Verdade volta com um novo holandês a ser homanageado. Dessa vez, é o clássico documentarista Joris Ivens, autor de alguns dos mais importantes filmes documentários até hoje. Explorando não só as potencialidades de registro do documentário, mas sobretudo sua força expressiva, Ivens realizou tanto filmes concretos, com o ânimo social do pensamento de esquerda à época, quanto filmes muito abstratos, como Pelo Mistral ou A Ponte.

Joris Ivens definiu em muitos aspectos aquilo que mais tarde viria a ser chamado de cinema-verdade: a verdade do documentário como estando em relação direta com a vida das pessoas filmadas, a possibilidade de expressão de uma assinatura fílmica do documentário, a prática documentarista como uma aventura do cineasta para entrar no objeto filmado (quanto a esses aspectos cf. Mostrar o Homem, nessa mesma edição). Estão programados para passar 19 filmes de Ivens, e dentre eles todos os seus filmes mais famosos (O Sena Encontra Paris, Chuva, Os 400 Milhões, Pelo Mistral, Terra de Espanha, etc.).

Além de Ivens, destaque maior do festival, as competições internacionais e nacionais nos oferecem algumas promessas:

COMPETIÇÃO INTERNACIONAL

Os dois mestres do free-cinema apresentam suas produções atuais. Johan van der Keuken terá seu Férias Prolongadas exibido, e Frederick Wiseman, pouco conhecido do público brasileiro mas autor de uma obra rica e conceituada, apresenta seu Belfast, Maine, projeto gigantesco de 4h08min de duração. Ainda mais dois filmes de cineastas com projeção internacional: Viciado em Solidão, de Jon Bang Carlsen e Rei dos Judeus, de Jay Rosenblatt.

Dias Negros, de Marc Singer, já exibido para a imprensa, é um belo filme sobre americanos sem-teto vivendo numa estação de metrô abandonada. Mesmo que em momentos resvale para o sensacionalismo e para o moralismo (quando mostra os ratos ou o personagem fumando crack), Dias Negros faz uma bela defesa da exclusão no seio do capitalismo mundial, embora ponha quase tudo a perder no final edificante, bastante distanciado do ambiente miserável porém contente da vida nos subways. Dias Negros emociona nos momentos em que filma os sem-teto em momentos comunitários, quando um corta o cabelo do outro, na hora do banho, quando eles tentam trazer mobília nova para casa. E ainda vale ressaltar a bela música de DJ Shadow, um dos representantes maiores do hip-hop de invenção da gravadora Mo'Wax.

FILMES NACIONAIS

Dois dos mais esperados filmes nacionais terão suas estréias nos cinemas: O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas, filme de Paulo Caldas e Marcelo Luna, e Notícias de uma Guerra Particular, de João Moreira Salles e Kátia Lund. Paulo Caldas é co-diretor de Baile Perfumado, e um dos pontas de lança da estética do cinema brasileiro na década de 90. João Moreira Salles é realizador de América, documentário sobre os Estados Unidos.

Ainda vale mencionar o curta Walter Franco Muito Tudo, de Bel Bechara e Sandro Serpa, sobre a obra de Walter Franco, um dos maiores compositores experimentais da música brasileira, autor das obras-primas Ou Não e Revolver. Digno de nota pela atitude é Maldito — O Estranho Mundo de José Mojica Marins, dirigido por Ivan Finotti e André Barcinski, os mesmos realizadores do livro homônimo sobre a obra de Mojica.

Ruy Gardnier