Yndio do Brasil
de Sylvio Back
Dentre a safra dos (poucos) bons filmes
nacionais dos anos 90, destaquei dois documentário que possuem
qualidades extras: Yndio do Brasil, de Sylvio Back (1995) e Nós
Que Aqui Estamos, Por Vós Esperamos, de Marcelo Masagão
(1999). Ou melhor: seriam documentários?
Teoricamente, um documentário tenta esmiuçar
um tema até a sua maior amplitude, seja para fins didáticos,
investigativos ou de registro histórico. Não é
o caso de nenhum dos filmes citados. Neles, o que importa não
é descrever fatos históricos no sentido acadêmico
do termo e nem alguma história no sentido dramático/jornalístico.
No entanto, contrariando as regras Sydfieldianas, os dois filmes existem,
prendem a atenção, fazem refletir e até divertem.
O caso mais radical no sentido "dramático"
é o do veterano Sylvio Back. Embora tenha como ponto de
partida o tema-título, o diretor fez um ensaio poético
utilizando várias cenas onde o índio é enfocado.
Não há uma só cena filmada por Back. As imagens
de arquvio vão se misturando sem preocupação cronológica
ou temática com os poemas do autor lidos por José Mayer.
Surge então um filme extremamente rico: significante (visual)
e significado (áudio/roteiro) bem distanciados, dando ao espectador
o sentido mais variado. De quebra, na tela, visões inacreditáveis:
desde filmes mais esclarecidos (Como Era Gostoso o Meu Francês)
aos mais inacreditáveis (de ficções científicas
a telejornais da ditadura). E o melhor: Sylvio Back se revelou um poeta
de mão cheia: almas limpas/almas-penacho/almas-límpias/almas-apache/almas
é nosso bis/nosso império nosso impropério/nosso
círculo de giz/ad majorem dei gloriam/... (trecho do poema "Doríndia")
Já Nós Que Aqui Estamos, Por Vós
Esperamos não tem um ponto de partida tão bem definido,
mas se apóia em micronarrativas que se estendem ao longo do filme.
Trata-se de biografias de ilustres desconhecidos do século passado.
Que existiram ou não. Mas isso não importa. A veracidade
e o compromisso com fatos reais não estão sendo discutidas
nesses dois documentários. Deduz-se, por exemplo, que as fotos
que aparecem no início de cada história não são
dos personagens citados. Os retratos são de figuras filmadas
dos túmulos de um cemitério de Recife, e a maioria das
biografias narradas é de estrangeiros.
Mas se Nós
Que Aqui Estamos, Por Vós Esperamos possui algum compromisso
narrativo (embora tênue), seus méritos estéticos
são enormes. O filme retoma a linguagem dos documentários
de vanguarda do início do século vide Alberto Cavalcanti,
Walter Ruttman, Vertov, entre outros que estava totalmente esquecida
ou considerada obsoleta. A não-utilização da voz-off,
a inserção da palavra escrita e o predomínio do
preto e branco fortalecem essa impressão. Apesar de ter alguns
planos filmados em vídeo e película, Masagão se
vale, assim como Back, de cenas de arquivo, no entanto interferindo
na imagem utilizando recursos criativos de um computador modesto. O
resultado só faz acrescentar e atualizar a liguagem referida,
deixando seu filme longe de ser uma mera e nostálgica citação
cinematográfica. E assim como Yndio do Brasil, Nós
Que Aqui Estamos, Por Vós Esperamos também
se vale da poesia, embora em momentos menos felizes (mostrar um menino
de rua e escrever que ele estava "à espera de Deus"
foi o cúmulo).
Termino aqui o texto sem concluir o que seria um "documentário
poético" e sem prescrever nenhuma cartilha para realizar
um. No entanto, frizo que Yndio
do Brasil e Nós
Que Aqui Estamos, Por Vós Esperamos são dois eventos
cinematográficos extremamente originais, baratos, de realização
acessível, onde a criatividade se fez mais do que presente. Mais
do que 90% das ficções realizadas durante a década.
Christian Caselli