A Reunião dos Demônios
ou Por que a distribuição é um Jogo Sujo no Brasil





A Reunião dos Demônios de A.S. Cecílio Neto

É muito bonito nós as Contracampo podermos fazer um número especial refletindo sobre o que foi o cinema brasileiro na década de 90. É sempre bom poder parar e pensar estética e eticamente o que significaram estes confusos anos para o cinema nacional. Porém, nada disso adianta para A. S. Cecílio Neto e seu filme A Reunião dos Demônios. Porque, embora ele tenha filmado em 1996 e finalizado o filme em 1997, até hoje este não foi lançado. Oficialmente, portanto, não faz parte da década. No entanto, nos parece o próprio exemplo a ser tomado como espelho da década no que ela aponta para o futuro: um grande ponto de interrogação. Porque, seria cômico se não fosse trágico, 40 anos depois de um Congresso Brasileiro de Cinema que indicou que um dos principais problemas do cinema brasileiro era a distribuição e exibição (como visto no livro de Alex Viany, "Introdução ao Cinema Brasileiro"), os responsáveis pelas políticas públicas de ação na área ainda não perceberam óbvio. Que os filmes serem produzidos é apenas um dos objetivos de uma cinematografia, claramente dependente dos outros.

Pois bem, a situação que se apresenta hoje para o produtor brasileiro é muito ruim. A briga pelos recursos está cada vez pior, com a retração econômica. Os orçamentos aumentaram pela desvalorização do real, já que boa parte dos preços sofre influência do dólar. O resultado é que hoje é um parto conseguir solucionar sequer a produção, que o Governo achava resolvida. Quando chega a hora de exibir o filme, aí mesmo é que já não há mais um centavo a investir nesta guerra de pesos pesados. A solução tem sido apelar ao braço da Riofilme, que quando foi criada não previa ser o cano de escape de toda a produção nacional. O resultado é que a empresa não possui verbas nem pessoal o suficiente para lançara cada filme com o cuidado necessário, e entra-se num círculo vicioso de não ter outra escolha, e mandar o filme para a boca do leão. Como se não bastasse, o circuito exibidor claramente desrespeita a lei de cota de telas, e a Riofilme fica ainda mais presa a um mesmo circuitinho que nunca permitirá verdadeiros sucessos de bilheteria, nem sequer filmes que atinjam o público mínimo que se espera deles. Fora da Riofilme há as distribuidoras internacionais que até dão algum cuidado a produtos como Orfeu, mas também podem sacrificar filmes como For All ou Tieta, enfiando-os numa cartela descuidada de lançamentos.

Ou pode acontecer o pior, como é o caso do filme de Cecílio: você pode acabar sem distribuidor. Morto antes de nascer. Que não se pense que o filme dele é o único nesta situação, podemos ainda citar O Lado Certo da Vida Errada de Octávio Bezerra, Olhos de Vampa de Walter Rogério, Adágio ao Sol de Xavier de Oliveira, além de vários filmes do início da década (portanto pré-Riofilme e pós-Embrafilme) que nunca foram lançados como Círculo de Fogo de Geraldo Moraes, Minas, Texas de Carlos Alberto Prates Correia e Natal da Portela de Paulo Cezar Saraceni; ou ainda os que foram lançados de forma preguiçosa como a bela comédia Não Quero Falar Sobre Isso Agora, de Mauro Farias, que tinha tudo para ser um grande sucesso de público se alguém ouvisse falar dele.

Quando citamos o filme de Cecílio Neto é para mostrar o quanto este sistema viciado é lamentável, pois alguns dos outros podem ser chamados de filmes difíceis ou de exceção, mas não é o caso de A Reunião dos Demônios, um filme infantil, gênero que só trouxe sucesso e bons resultados ao cinema brasileiro.

Este filme especificamente é um poema, na verdade um filme sobre crianças, e com o qual elas podem se identificar, mas que fala ainda mais aos adultos que viveram sua infância na época em que o filme se passa (os anos 60). Muito comparado ao Menino Maluquinho, que fez tanto sucesso que é um dos poucos filmes nacionais com continuação, A Reunião dos Demônios é melhor do que este filme, pois não se prende a uma narrativa tão anedótica e desconjuntada. Sua maior força não é só o seu charme, mas a forma como faz da história dos três amigos que pensam poder "conjurar" o demônio para conseguir seus objetivos (como matar a professora) uma reflexão na mistura de crueldade e inocência que marca toda criança. Além disso, fala também de um tempo (não tão longe) onde a maior diversão de uma criança não era a TV ou o videogame, mas brincar com os amigos pelas ruas de pequenas cidades interioranas.

Cecílio junta isso tudo com um raro toque de humor negro, poesia, nostalgia e humanismo, fazendo do resultado final uma delícia que a todos agrada. Infelizmente, quase que kafkianamente vivendo o seu próprio filme, Cecílio tem visto sua obra ser atropelada seguidamente por Pokemons, Tarzan e Xuxas, nunca encontrando o buraco que possa permiti-lo chegar ao público a que se destina (em verdade, todos nós). Até o Castelo Rá Tim Bum, ótimo filme que tematiza quase as mesmas coisas, atropelou o Reunião por sua superprodução e pre-existente link com o público televisivo.

Uma cinematografia que não consegue fazer filmes como esse chegarem ao seu público deve ser uma cinematografia envergonhada. Qual a solução do problema?? Talvez em primeiro lugar admitir que ele existe, ao contrário do que tem feito as autoridades. A partir daí fica fácil. Seja incentivo à exibição do filme nacional, fiscalização da cota de telas, criação de uma distribuidora nacional (lembrando que o lado da distribuição, quando esteve nas mãos do Estado, permitiu ao Cinema Brasileiro vencer nas telas a batalha com o estrangeiro), incentivo à criação de outras distribuidoras de ordem estatal/municipal (visto que a Riofilme não dá conta de salvar o cinema nacional sozinha). Em suma, as possibilidades são imensas. Só não dá mais é para ver o filme do Cecílio encostado numa prateleira, lindo e não-visto. Até que isso acabe não há Oscar que vá salvar o cinema nestas plagas.

Eduardo Valente