Trampolins da Crítica

A crítica é um instrumento do poder. No Brasil, foi e continua sendo instrumento de chantagem. Hoje em dia tem outras identidades: curadoria, bom-mocismo, cineastismo, ancinismo.

Não é possível entender crítica de cinema no Brasil sem entender sua função histórica. Em sentido amplo. Bernardet, quando publicou Historiografia clássica do cinema brasileiro, em 1993, procurou desconstruir Alex Viany e Paulo Emilio. Estava no papel dele, ou melhor, de sua geração. Afinal, Bernardet leu mesmo Alex Viany e Paulo Emilio. Talvez nós geração anos 80-90 também tenhamos lido, mas certamente eles não nos diziam a mesma coisa. Mas Bernardet, ao desconstruir Viany, por exemplo, também acerta contas com Brasil em tempo de cinema, editado em 1967 por Alex, que defendia o Cinema Novo e na época não escreveu uma linha para elogiar ou detonar o livro.

Em 1974, Alex Viany peitou os aristocratas do Cinema Novo, instalados na casa de Carlos Diegues, desafiando-os a falar de seus filmes. Tirando o próprio Alex e Nelson Pereira, que ficou sacaneando o tempo todo, ninguém disse absolutamente nada sobre nada. Eximiram-se da crítica, já que estavam no poder. Mas Viany, aquele a quem chamavam de General Bandeira, estava ali exercendo o papel de um crítico que a democracia inexistente castrava.

Crítico ou cronista? Houve essa dúvida, sobretudo nos anos 1930-40. Muitos não se diziam críticos, mas cronistas. Tinham mais vergonha na cara. Depois de 1946, depois da ABCC (Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos) mudou a coisa, sobretudo porque Moniz Vianna impôs lá seus “padrões”. Por quê Moniz Vianna e não Almeida Salles? Ou Paulo Emilio? Ou Vinícius de Moraes? Ou Pedro Lima? Ou Otávio de Faria? Ou Plínio Sussekind Rocha? Ou Myself? Ou Álvaro Rocha? Ou Adhemar Gonzaga? Ou Antônio Campos?

O primeiro crítico foi também um censor: Antônio Campos. Ou também um legislador da linguagem: José Medina. Ou um empresário: Adhemar Gonzaga. Mais tarde, inaugurarão o salvo-conduto com o Cinema Novo. Advogados da causa própria. Tirando Gustavo Dahl, que vem de Biáfora, B. J. Duarte e Alberto Cavalcanti. Ou mesmo Glauber, que vem de Walter da Silveira, que aliás era advogado.

A crítica sempre foi um instrumento de poder. Diria o futuro cineasta Jorge Ileli, numa amarelada edição d’A Cigarra de mil novecentos e cinquenta e tantos, em uma matéria na qual dizia – na época em que era crítico – que numa terra de Lulus de Barros quem é Watson Macedo é rei. País dos analfabetos, tudo se resume às letras. Se dá bem quem sabe escrever. Medo pânico às imagens. É isso que define o crítico. Não todos, é verdade. Só os normais.

Luís Alberto Rocha Melo


 Abril de 2013