O Príncipe do Egito (The Prince Of Egypt),
de Brenda Chapman, Steve Hickner
e Simon Wells (EUA, 1998)

O filme tem sido recebido no geral com dois tipos de reação, absolutamente opostos. Alguns dizem que é uma obra-prima, um verdadeiro desenho para adultos. Outros o consideram bobo, repetitivo e metido a sério. Como na maioria das polêmicas do tipo, há razões dos dois lados, e parece errado analisar-se de um jeito sem reconhecer os méritos e defeitos apontados pelos outros.

A euforia tem clara origem: o tema do filme, mas acima de tudo sua construção visual. A verdade é que O Príncipe do Egito tem algumas das melhores imagens do cinema atual, a maioria inclusive com uma preocupação gritante com enquadramentos, movimentos óticos, closes, construções típicas do cinema "live action", nem tão vistas assim nas animações. Não há como não se maravilhar com a cena da abertura do Mar Vermelho, ou a montagem das pragas divinas, ou ainda a tempestade de areia. Não há como negar o trabalho brilhante de construção de uma realidade física, na qual os prédios e decorações de paredes parecem mais vivos do que em muitos filmes feitos em estúdio. Temos que louvar ainda a palheta de cores escolhida, que fica quase sempre numa variação quase monocromática em torno do amarelo. E há ainda a coragem por detrás de cenas como a do sonho de Moisés, por enquanto a melhor do ano, a qual é vista como se tivéssemos hieróglifos em movimento, levando por um segundo ao espectador uma visão de como a arte poderia ser sem o monopólio da perspectiva renascentista. Visualmente o filme é vibrante, a montagem cria climas e sequências emocionantes, e o som digital do filme é assustadoramente envolvente.

Dito isso, é preciso que se reconheça a fraqueza narrativa do filme. Os números musicais são claramente excessivos e burocráticos, mas o pior é a clara Syd Fieldização da estrutura narrativa bíblica. Para que tentar complementar uma narrativa épica como a do êxodo, criando uma estória onde parece importante heroicizar mais do que o necessário Moisés, criar um subtexto romântico, passar de passagem por momentos importantes, tratar tudo como se fosse clímax, em suma, igualar Moisés a qualquer Indiana Jones. Não importa o que digam alguns, o mais maduro, assustador e adulto desenho animado continua sendo O Corcunda de Notre Dame da Disney. O Príncipe do Egito é um ótimo produto no qual os produtores miraram num público mais velho mas pareceram desistir e abrir concessões na proposta, realizando um filme que nem agrada crianças nem é entretenimento adulto de grande qualidade.

Em tempo: a grande surpresa do filme é que o personagem mais assustador, pelo menos para este espectador, é Deus. Primeiro ele aterroriza Moisés para obedecê-lo, depois mata mais egípcios do que Schwarzenegger jamais conseguiu em um filme. E, no seu momento mais especial, deixa os egípcios passarem da muralha de fogo só para ter o prazer de afogá-los todos no Mar Vermelho. Com um Deus destes não há quem não seja cristão...

Eduardo Valente