A Hora Mágica, de Guilherme
de Almeida Prado (Brasil, 1998)

O cinema de Guilherme de Almeida Prado certamente é polêmico. Alguns o consideram vazio de conteúdo, outros o consideram um esteta sem par no cinema brasileiro atual. Nenhum dos dois estaria errado. A Hora Mágica é talvez o mais radical dos mergulhos de Guilherme no artificialismo. Sua trama mistura crime, amor e arte, todos meio que em segundo plano em relação aos verdadeiros temas do cineasta: o cinema, as outras artes, a sua relação com o mundo. Há um entrecruzamento de artes e registros no filme, desde o conto de Cortázar que o originou, e do qual temos passagens narradas no filme, ao próprio cinema, e principalmente a TV e o rádio. Os filmes de Guilherme são um prato cheio de citações e chega a ser um exercício tentar numerar aqui todas as presentes neste, pois elas se sucedem com imensa frequência.

O que ninguém discute é o controle do fazer cinematográfico que Guilherme tem. Combinado com a produção fenomenal de Sara Silveira, o resultado é um filme extremamente rebuscado, em som e imagens. A fotografia é belíssima, a montagem tem um ritmo hipnótico interessantíssimo, a edição de som brinca o tempo todo com o artificialismo. Os cenários construídos nos estúdios da Vera Cruz são, antes que suntuosos, adequados e funcionais, assim como os figurinos. Não há como negar que algumas cenas, muito bonitas e significativas são criadas, como é o caso da maioria das cenas na rádio ou o baile de carnaval. Quanto ao questionamento sobre vazio temático, isso é discutível. Ao brincar com o artificialismo do cinema, neste filme Guilherme tem uma intenção clara que aparentemente tem passado despercebida: falar do artificialismo e da construção de personagens que nós fazemos na nossa vida. O personagem principal de Raul Gazolla faz exatamente isso com Julia Lemmertz, tentando construi-la de acordo com o que imaginara. Isso não dará certo, como vemos na lindíssima cena final com a repetição das falas de uma dublagem. Este é o principal tema do filme, para o qual Guilherme atenta a todo momento. Que suas referências e metalinguagem com o cinema, rádio e TV possa ofuscar isso num barroco excessivo de informação, talvez possa ser dito. No entanto, o filme é uma delícia de se assistir com os olhos e ouvidos abertos, e a disposição de mergulhar num ambiente onde nada é real ou naturalista. Como foi dito recentemente de um outro filme em cartaz, A Hora Mágica não é o filme de um gênio, mas de um cineasta talentoso.

Eduardo Valente