A Tempestade de Gelo (The Ice Storm),
de Ang Lee (EUA, 1997)

Se A Tempestade de Gelo tivesse um subtítulo enorme como os livros do séc.XVII, bem que poderia ser De como foram os anos 70 para uma família vivendo em um longínquo vilarejo cheio de neve. Inicialmente o que impressiona são a cenografia e o figurino. Parece que abraçar o espírito da época foi a principal intenção do diretor Ang Lee, haja vista as insuportáveis cenas do caso Watergate e do seriado Perdidos no Espaço. Por que insuportáveis?, pode-se perguntar. E eu digo: por que a televisão é somente um elemento de território, nada mais. Tudo parece ser plano nos signos do filme — nada atinge uma segunda função (a estética), e o filme mais representa que apresenta: a febre das terapias, liberações sexuais, Frank Zappa...

Quanto à música, podemos aproximar A Tempestade de Gelo com Velvet Goldmine. Enquanto Ang Lee utiliza a música para mostrar ao espectador que os personagens estão nos anos 70, Todd Haynes faz uso dela (uma música dos anos 90) para MOSTRAR que o espectador está VIVENDO os anos 70. Ao contrário de mera representação, a música passa a se tornar uma significação pura, longe de qualquer referencial de data ou estilo.

Se há alguma significaçao pura em A Tempestade de Gelo (e achamos que não há) é a culpa paterna, esboçada em todo o filme e levada a cabo no final. Ao invés do republicano "algo vai indo mal", Ang Lee prefere mostrar uma história totalitária, algo como "viram o que vocês fizeram?". Se do estilo (quase acadêmico) de Lee ainda podíamos retirar algo de interessante (um doce passar do tempo em A Arte de Viver ou um plano composto apenas por verdes em Razão e Sensibilidade), em A Tempestade de Gelo não é muito que se salva. O melodrama ganha da arte de viver e, por conseguinte, da arte de fazer cinema.

Ruy Gardnier